A breve e utópica
Colônia Cecília
Widson Shwartz
Nascente Rio Tibagi - Município de Palmeira
Vila Quero Quero em Palmeira
Nascente, no Município de Palmeira, interior da Fazenda Bugio
Coincidindo com a
República, surge uma colônia comunista-anarquista em Palmeira, proposta que
fracassara na Itália, entre 1887 e 1889. Em Palmeira, sete italianos liderados
por Giovanni Rossi fundam a Colônia Cecília, onde “as relações sexuais livres e
a completa autonomia individual” deveriam ser correspondidas pela
“solidariedade econômica e a liberdade política”.
Chegaram em abril de
1890: o casal Cattina e Aschile Dondelli, Evangelista Benedetti, Lorenzo
Arrighini, Giacomo Zanetti e Giovanni Rossi. Cattina é a única mulher.
Do grego clássico, anarquia
significa “Estado sem líder”, daí a filosofia de que o anarquismo
socialista libertará o homem do Estado opressivo, colocando-o em relações
igualitárias e livres. Na Colônia Cecília, porém, guiavam-se pelo outro
sinônimo de anarquia: desordem. Eram operários urbanos sem nenhuma experiência
de agricultura, relatou Giovanni Rossi.
Se alguém quisesse
aprender a capinar, ouvia a resposta: “Aqui não se pode ensinar, cada um faz como bem entende”. Justificava-se
qualquer capricho ou excesso: “Em homenagem à anarquia, faço o que quero”.
Rossi sentenciou a impossibilidade de doutriná-los: “Pobre anarquia, como,
naquela época, a sua concepção ficou rebaixada”.
Cecília atinge 150
moradores, em maio de 1891. “Essa aglomeração repentina foi um desastre”,
palavras de Rossi. Não vieram agricultores e “os meios de subsistência
continuavam absolutamente insuficientes”; ainda precisam comprar alimentos a
crédito no comércio e a renda vem do trabalho nas estradas do governo. Em julho
de 1891, as famílias que se haviam fixado primeiro decidem partir, levando a
parte do capital social a que têm direito. Alegam descontentamento com a mescla
da comunidade, incluindo oportunistas, até assassinos; e que pretendem
reconstituir a colônia entre outro lugar, “com melhores elementos”. Em dezembro
de 1892, os habitantes diminuíram de 150 para 64.
Pela visão do
contemporâneo Cândido Muricy, na colônia “havia professores, artistas,
operários e, sobretudo, vagabundos. Sem o mínimo conhecimento de agricultura,
queriam tão somente uma vida sem esforço, (...) seduzidos pela (...) romanesca
miragem: Cecília”. Exceção eram os jovens idealistas, segundo Rossi. Indicando a
colônia, flutuava ao vento a bandeira preta e vermelha, sobre uma grande
palmeira. “Frequentemente de estômago vazio, apoiados na enxada e olhar na
palmeira”, aqueles jovens idealistas diziam: “De um pouco de polenta e um pouco
de ideal, vive-se”.
Qualquer proposta
anarquista implica “a destruição espontânea da família e a assimilação do amor
livre”, até para “emancipar a mulher da despótica supremacia masculina”,
segundo Rossi. As mulheres, com quantos homens desejassem e se houvesse filhos,
seriam comunitários. Mas, na colônia, o amor livre se restringiu a dois casos;
as mulheres eram poucas e para não cedê-las ao coletivismo, as famílias
partiam. Segundo Cândido Muricy, a “crise” obrigou Rossi a introduzir
prostitutas.
O melancólico fim
de uma identidade
Falta saber quanto
durou a Colônia Cecília e quando terminou, tendo sido determinante o furto do
capital social, 50 contos de réis. Um casal recém-integrado à comunidade fugiu
com o dinheiro. Houve, porém, “uma tal variedade de causas [para o fracasso]
que é impossível enumerá-las”, escreveu Rossi.
“Colônia Cecília e
outras Utopias” é o livro que contém os ensaios de Giovanni Rossi, editado em
2000, pela Imprensa Oficial do Paraná, tradução de Marzia Terenzi Vicentini e
Miguel Sanches Neto. “Da Colônia Cecília
sobrou pouco, tanto histórica quanto fisicamente, mas ignorar a sua existência
e o seu papel na definição de uma identidade paranaense seria um erro”, afirmam
os tradutores. Outra fonte é “Viagem ao País dos Jesuítas”, editado em 1975,
também pela Imprensa Oficial. O autor, José Cândido da Silva Muricy, participou
de estudos para a colonização nos Campos Gerais.