quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


A breve e utópica
Colônia Cecília
Widson Shwartz


  Nascente Rio Tibagi - Município de Palmeira

 Vila Quero Quero em Palmeira
Nascente, no Município de Palmeira, interior da Fazenda Bugio




          Coincidindo com a República, surge uma colônia comunista-anarquista em Palmeira, proposta que fracassara na Itália, entre 1887 e 1889. Em Palmeira, sete italianos liderados por Giovanni Rossi fundam a Colônia Cecília, onde “as relações sexuais livres e a completa autonomia individual” deveriam ser correspondidas pela “solidariedade econômica e a liberdade política”.
          Chegaram em abril de 1890: o casal Cattina e Aschile Dondelli, Evangelista Benedetti, Lorenzo Arrighini, Giacomo Zanetti e Giovanni Rossi. Cattina é a única mulher.
          Do grego clássico, anarquia significa “Estado sem líder”, daí a filosofia de que o anarquismo socialista libertará o homem do Estado opressivo, colocando-o em relações igualitárias e livres. Na Colônia Cecília, porém, guiavam-se pelo outro sinônimo de anarquia: desordem. Eram operários urbanos sem nenhuma experiência de agricultura, relatou Giovanni Rossi. 
          Se alguém quisesse aprender a capinar, ouvia a resposta: “Aqui não se pode ensinar, cada um  faz como bem entende”. Justificava-se qualquer capricho ou excesso: “Em homenagem à anarquia, faço o que quero”. Rossi sentenciou a impossibilidade de doutriná-los: “Pobre anarquia, como, naquela época, a sua concepção ficou rebaixada”.
          Cecília atinge 150 moradores, em maio de 1891. “Essa aglomeração repentina foi um desastre”, palavras de Rossi. Não vieram agricultores e “os meios de subsistência continuavam absolutamente insuficientes”; ainda precisam comprar alimentos a crédito no comércio e a renda vem do trabalho nas estradas do governo. Em julho de 1891, as famílias que se haviam fixado primeiro decidem partir, levando a parte do capital social a que têm direito. Alegam descontentamento com a mescla da comunidade, incluindo oportunistas, até assassinos; e que pretendem reconstituir a colônia entre outro lugar, “com melhores elementos”. Em dezembro de 1892, os habitantes diminuíram de 150 para 64.
          Pela visão do contemporâneo Cândido Muricy, na colônia “havia professores, artistas, operários e, sobretudo, vagabundos. Sem o mínimo conhecimento de agricultura, queriam tão somente uma vida sem esforço, (...) seduzidos pela (...) romanesca miragem: Cecília”. Exceção eram os jovens idealistas, segundo Rossi. Indicando a colônia, flutuava ao vento a bandeira preta e vermelha, sobre uma grande palmeira. “Frequentemente de estômago vazio, apoiados na enxada e olhar na palmeira”, aqueles jovens idealistas diziam: “De um pouco de polenta e um pouco de ideal, vive-se”.
          Qualquer proposta anarquista implica “a destruição espontânea da família e a assimilação do amor livre”, até para “emancipar a mulher da despótica supremacia masculina”, segundo Rossi. As mulheres, com quantos homens desejassem e se houvesse filhos, seriam comunitários. Mas, na colônia, o amor livre se restringiu a dois casos; as mulheres eram poucas e para não cedê-las ao coletivismo, as famílias partiam. Segundo Cândido Muricy, a “crise” obrigou Rossi a introduzir prostitutas.
O melancólico fim
de uma identidade   
          Falta saber quanto durou a Colônia Cecília e quando terminou, tendo sido determinante o furto do capital social, 50 contos de réis. Um casal recém-integrado à comunidade fugiu com o dinheiro. Houve, porém, “uma tal variedade de causas [para o fracasso] que é impossível enumerá-las”, escreveu Rossi.
          “Colônia Cecília e outras Utopias” é o livro que contém os ensaios de Giovanni Rossi, editado em 2000, pela Imprensa Oficial do Paraná, tradução de Marzia Terenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto.  “Da Colônia Cecília sobrou pouco, tanto histórica quanto fisicamente, mas ignorar a sua existência e o seu papel na definição de uma identidade paranaense seria um erro”, afirmam os tradutores. Outra fonte é “Viagem ao País dos Jesuítas”, editado em 1975, também pela Imprensa Oficial. O autor, José Cândido da Silva Muricy, participou de estudos para a colonização nos Campos Gerais.

           










Visões de Palmeira no alvorecer republicano  
 Widson Shwartz


 No alvorecer republicano, Palmeira “ostenta (…) ampla praça retangular cingida por palmeiras, no meio da qual ergue-se a igreja”, descreveu-a em abril de 1890 o italiano Giovanni Rossi, que ia fundar nova colônia

Nascente do Rio - Fazenda Bugio Palmeira
  

            Com a queda da monarquia, em 15 de novembro 1889, a República encontra um palmeirense na presidência da Província do Paraná. “Foi a cidade de Palmeira a sede do poderio político liberal na Província durante o Império, sob a chefia do conselheiro Jesuíno Marcondes de Oliveira Sá”, escreveu o contemporâneo José Cândido da Silva Muricy.
            Nascido em Palmeira, Jesuíno distinguira-se no reinado de Pedro II, desempenhando entre outras funções a de ministro da Agricultura, Comércio e Obras, tendo recebido o título de conselheiro; o de barão lhe foi negado, desde que fora posto sob suspeita de ter influído na venda de terras imprestáveis para a colonização.
            Exercendo a presidência da Província quando é proclamada a República, Jesuíno comunica ao marechal Deodoro da Fonseca, chefe do novo poder, que o Partido Liberal do Paraná servirá a Pátria com o governo provisório. E dá por encerrada a sua tarefa, passando a administração da Província ao comandante da Brigada do Exército.
            No alvorecer republicano, Palmeira “ostenta (…) uma ampla praça retangular cingida por palmeiras, no meio da qual ergue-se a igreja”, descreveu-a em abril de 1890 o italiano Giovanni Rossi, que ia fundar uma nova colônia. “Em volta [da praça], asseadas casinhas. Poucas ruas compõem esta jovem cidadezinha” , no dizer de Rossi, que lá encontrou telefone. “Há um hotel, uma sala de bilhar, um clube literário, uma sociedade de amadores de teatro, uma fábrica a vapor para a preparação da erva-mate e várias casas de comércio.”
             Instalara-se, recentemente, o escritório da Inspetoria de Terras e Colonização em Palmeira, para supervisionar novos assentamentos coloniais também na banda do rio Iguaçu.
            “Supérfluo dizer que Palmeira tem um correio e um posto telefônico”, anotou Rossi, embora a telefonia ainda fosse rara adiante de Curitiba.
            O médico em Palmeira, o italiano Franco Grillo, recebe o mais alto conceito de Rossi: “bom, honesto” e “benemérito da ciência pelas informações e coleções  [presumivelmente da flora regional] que tem enviado à Sociedade Geográfica Italiana e ao Museu Cívico de Ciências Naturais de Gênova”. Há 17 anos estava o dr. Grillo no Brasil e acolheu Rossi e os outros conterrâneos pretendentes à nova colônia “como irmãos, porque filhos da mesma terra e da mesma ideia”,declarando-se republicano porém socialista em economia.
            “As terras em volta de Palmeira são constituídas por colinas docemente onduladas, em parte apenas cobertas de capim – e esta parte chama-se campo –, em parte coberta de matas”, segundo Rossi, que faz outras classificações no panorama rural. “As matas mais próximas da cidade são jovens e recebem o nome de capoeira; as mais distantes, como Santa Bárbara, onde irá se estabelecer a nossa colônia social, são virgens, mas de uma virgindade relativa.”

Simpática e pitoresca,
à margem do lajeado 

            Outra descrição de Palmeira na primeira década republicana se deve ao sociólogo, militar e explorador Cândido Muricy (1863-1943). “Construída à margem de um lajeado, afluente do Caniú [ou Cantú], por sua vez afluente do Tibagi, Palmeira sobe a encosta em doce declive de uma extensa e bonita coxilha, tendo porém, seu núcleo principal na baixada”, despontou aos olhos de Muricy provavelmente em 1896 , um ano antes de ser elevada a município, desmembrado de Ponta Grossa.
            “É alegre e pitoresca a cidade, a única estação da via férrea, dessa categoria, de Curitiba a Ponta Grossa. Seu casario é de estilo português, pesado e desgracioso, sem ser no entanto do estilo dito colonial, tão em voga  hoje nas construções citadinas”, observou Muricy.  “Seu conjunto, entretanto, não deixa de ser alegre e simpático.”

  


Ereta a vila no Iapó, o povo
dá “vivas” à  rainha Maria I 
Widson Shwartz
     
Situa-se Castro “numa colina alongada que se estende do sul ao norte até o rio Iapó”, visão de Saint-Hilaire em 1820


          Embora Saint-Hilaire mencione apenas Castro, o lugar se denominava Vila Nova de Castro quando de sua passagem; de freguesia, elevara-se a vila em 24 de janeiro de 1789, em homenagem a Martinho de Mello e Castro, ministro dos Negócios Ultramarinos de Portugal. As terras paranaenses estavam na jurisdição da Ouvidoria e Comarca de Paranaguá, Capitania de São Paulo, governada por Bernardo José de Lorena.
          Historiadores mencionam uma “ouvidoria gigante”, Paranaguá, abrangendo também partes de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, alcançando a fronteira com a Argentina.
          Quando o ouvidor, Francisco Leandro de Toledo Rendon, declarou ereta a Vila Nova de Castro, “o povo prorrompeu em estrepitosos vivas à rainha, D. Maria I, e se ouviram descargas [das armas de fogo] pela tropa de cavalaria”.
          O toque dissonante com o advento da vila foi a designação do sargento-mor, o paulista Miguel Pedroso Leite. Ostentando a patente de capitão da guarda, ele tinhas péssimos antecedentes em outras capitanias; sua ficha corrida incluía cumplicidade em homicídio. Nomeado assim mesmo, assumiu ainda em 1789 e arvorou-se em autoridade absoluta, cometendo todo tipo de arbitrariedade. Extorquia moradores e até ameaçou rapazes, para induzi-los a casarem com suas filhas. “Foi a tal ponto o terrorismo que a população, de medo, já não concorria à missa.” A Câmara de Oficiais da Vila decidiu enfrentá-lo, e conseguiu que fosse removido em março de 1791. Restou na Câmara “formidável representação contra este Pedroso”.
          Situa-se Castro “numa colina alongada que se estende do sul ao norte até o rio Iapó”, visão de Saint-Hilaire em 1820. A leste da vila, onde a topografia é menos elevada, o viajante observou o predomínio das pastagens e uma orla de araucárias contornando o banhado.  No lado oeste, “o mais montanhoso e pitoresco as araucárias coroam as colinas”. Debaixo dessas árvores majestosas existem algumas choupanas e um vasto tabuleiro de relva alcança a cidade.
          “O rio Iapó serpenteia aos pés das colinas a oeste” tendo nas margens arbustos repletos de líquens esbranquiçados, que parecem barba de velho. O mais abundante é o pau-de-sebo, uma leguminosa, cuja madeira é muito mole e da qual “se comem os frutos chamados vulgarmente cambuí”.
          Em 1820, Castro tem uma centena de pequenas casas de taipa e no distrito inteiro cinco mil habitantes. Pessoalmente Saint-Hilaire constatou o número de habitações, que formavam três ruas e tinham semelhança com as dos camponeses de Sologne, na França. “Três ou quatro comerciantes, mulheres da vida [prostitutas], alguns operários formavam, mais ou menos, toda a população permanente da vila”, segundo o visitante. “A instrução pública é absolutamente nula.”
          Há uma produção de milho, feijão, arroz e trigo, “mas os habitantes da campanha pensam menos em cultivar a terra do que em criar animais de chifres e cavalos”. Além do mercado, a criação de animais exige “cuidados pouco variados”. Uma evolução teria início, porém.   

Elevação a cidade
e nome definitivo

          Rocha Pombo assinala “verdadeiro e admirável progresso de Castro” no período que vai de 1820 a 1860. “Em 1840 se levantou uma nova ponte sobre o Iapó (…) e o vigário da paróquia, padre Inácio de Almeida Faria e Souza, benzeu a sacristia da nova matriz em construção.”
          Nas primeiras décadas de 1800 as terras paranaenses constituem a Comarca de Paranaguá e Curitiba, a seguir 5.ª Comarca de São Paulo. São estabelecidos o “termo” – ou jurisdição – de Castro, em 1842, e a comarca em 1854. Em 21 de janeiro de 1857, com a transformação legal da vila em cidade, o nome é restrito a uma palavra: Castro.
          Assim a admirável evolução, assinalada por Rocha Pombo, desde os primórdios numa redução jesuítica fundada em 1627, ou perto da barra do Iapó ou na Fazenda Pitangui.