sábado, 8 de dezembro de 2012

 “O Rio Iapó nasce perto de Castro, corre abaixo dessa cidade e se joga no Tibagi”, 
anotou o botânico francês Augustin de Saint-Hilaire


Em Castro, uma nova ponte foi construída em 1840, supostamente a que D. Pedro II conheceu 1880,
talvez restaurada ao longo de 40 anos

O Iapó e as “maiores
fortunas da Província”   Widson Shwartz


            Ainda nas cercanias do curso superior do rio Tibagi, em 28 de maio de 1880 a comitiva de D. Pedro II é recebida em Castro, “onde estão as maiores fortunas da província”, tema dos jornais. Numa berlinda puxada por quatro cavalos, cedida pela Baronesa do Tibagi, Suas Majestades deixam Ponta Grossa às 7 horas e às 14 entram em Castro, percorridos 46 quilômetros. O imperador e a imperatriz são hóspedes do juiz de Direito, Manoel da Cunha Lopes de Vasconcelos.
          Segundo os jornais da corte, “a importante cidade confirma os foros de grande, culta e adiantada”, que havia  disputado “as honras de capital da província”. Elevara-se a comarca e a cidade (município) em 1854 e 1857 respectivamente. O roteiro de D. Pedro II inclui a ponte no rio Iapó, o principal afluente do Tibagi.
          Onde “estão as maiores fortunas”, o coronel Manoel Inácio do Canto e Silva é o mais rico, seu patrimônio inclui 14 mil bois. Castro atinge as margens do Tibagi e do Paranapanema; são notáveis a exportação de erva-mate, a agropecuária e até mesmo a ocorrência de pedras preciosas (diamantes, ágatas, coralinas, topázios etc.) “em toda a extensão regada pelos rios e nos campos”. Metade da jurisdição territorial é coberta por floresta virgem, em que despontam a cabreúva, o jacarandá e outras espécies na zona temperada; o jataí, a canjarana, o arribá e a peroba na “zona mais quente”. Os troncos de peroba permitem canoas de 1m10 "de boca" (largura) por 15m40 "de pontal" (comprimento).
          Margeando o Tibagi e o Paranapanema encontram-se o cedro, o óleo e outras madeiras “aplicáveis à construção”.
          Observa-se que as “terras são (...) de uma fertilidade prodigiosa, mas a nenhum colono deu-se terras em Castro”. E compara-se à localização dos russos-alemães “no Capão da Anta e outras do mesmo jaez”, abandonadas por serem improdutivas. 
           Pouso do Iapó, eis a origem de Castro, desde quando “a ponte no rio sempre foi a necessidade mais imperiosa”, ante a necessidade de os habitantes se comunicar com Sorocaba, escreveu Rocha Pombo. Há uma reforma da ponte em 1774, ao elevar-se o povoado a freguesia, denominada Sant'Ana do Iapó.
          Em 1820, o botânico francês Augustin de Saint Hilaire encontra “uma ponte de madeira, cujos 26 arcos tinha ao redor de sete passos de largura, quase inteiramente destruída.” O visitante soube que “a Câmara de Castro estava em extrema pobreza”. Cinquenta anos depois, D. Pedro II conhece a ponte, supostamente restaurada, pois não há observações em contrário nos  jornais. 
          “O rio Iapó nasce perto de Castro, corre abaixo dessa cidade e se joga no Tibagi”, anotou Saint-Hilaire. No caminho entre a Fazenda Fortaleza e Castro, ele havia passado a noite na Barra do Iapó, “perto do lugar onde este rio lança suas águas no Tibagi”. Por causa da chuva, permanece mais um dia e “passeia”, num piroga, até a foz do Iapó. “Onde as águas se misturam os dois rios “são muito profundos e correm (…) sobre leito rochoso”, anotou o explorador. Ambos margeados por “uma cinta de árvores e arbustos acima dos quais a araucária majestosa se eleva”.

O canyon e a
bacia do Iapó
          Retomando a jornada, Saint-Hilaire e seu guia chegam à “pequena Fazenda Guartelá”, 48 quilômetros antes de Castro.  “A dona dessa propriedade, cujo marido estava ausente, deu-me, com muita delicadeza, licença de fazer alto em sua casa”, escreveu o visitante.  A senhora ofereceu-lhe “não somente a sala de hóspedes, mas [também] um quarto e uma cozinha”.  Após o chimarrão, “fez servir jantar para mim e minha gente. Se os habitantes dos Campos Gerais não são dotados de inteligência igual à dos mineiros, eles não são menos hospitaleiros”.
          Embora não mencione, Saint-Hilaire atingira um ponto nas cercanias do Canyon Guartelá, no curso do Iapó. Conforme dados atuais, são 32 quilômetros entre Castro e Tibagi, o sexto maior canyon do mundo. Sua porção central integra o parque estadual criado em 1992, abrangendo as cavernas com pinturas rupestres legadas pelos primitivos habitantes da região, há sete mil anos segundo avaliações mais recentes.
          Difunde-se a lenda de que o topônimo Guartelá vem de um desbravador português: “Guarda-te-lá, que bem fico cá”, mandou um mensageiro alertar um vizinho sobre a presença de índios. 
          Pela configuração política atual, o Iapó nasce em Piraí do Sul e corre  do leste para o centro do Estado, incluindo outros dois municípios, Castro e Tibagi, onde tem a foz. A bacia abrange 3.180 quilômetros quadrados, com 13 afluentes. Os geógrafos, geralmente, assinalam o Iapó e o Fortaleza em conjunto para configurar o maior afluente do Tibagi.  
          O topônimo iapó corresponde a “rio que alaga”, segundo a interpretação mais difundida e não dicionarizada. No Vocabulário Tupi-Guarani Português organizado por Silveira Bueno, o termo mais aproximado é igapó = lugar alagadiço ou água de enchente. Saint Hilaire também chegou a informação semelhante, que se atribui a “meandros do rio numa ampla várzea pantanosa”.